Este artigo propõe resumir os fatos narrados no livro “Esperando a
volta do Criador – Expectativa messiânica de um povo indígena ‘isolado’ na
Amazônia, publicado em 2008 pela Transcultural Editora e Livraria e republicado
neste ano com o mesmo título pela UICLAP Editora e Distribuidora Ltda.[1]
Título inspirado na fala de um senhor indígena de aproximadamente 65 anos na
época, perguntando ao missionário se ele havia visto o Porapohat (criador dos
seus antepassados), que eles esperam um dia voltar para curar os doentes e
ressuscitar os mortos.
Trata-se de relato fidedigno sobre os primeiros contatos com um povo
indígena isolado na época, efetivado em 1987 e assistidos por uma missão
Evangélica por um período de 04 anos, livrando-os do processo de extinção a que
já estavam fadados. Aborda também os fatos relacionados à perseguição religiosa,
que afetou drasticamente a vida dessa população, em nome de uma suposta preservação
física e cultural. Porém negando-lhes o direito de conhecerem a mensagem do
Criador, expectativa messiânica inerente à sua cosmovisão.
RELATO HISTÓRICO
No final da década de 1970 e início de 1980, uma equipe de
assistência aos povos indígenas localizou-se na cidade de Santarém, na
confluência dos rios Amazonas e Tapajós, no Oeste do Pará. Tinham como objetivo
definido o mapeamento da região quanto à existência de etnias carentes de
atendimento físico, social e espiritual. Eram filiados a uma Instituição
Evangélica, que a cerca de 40 anos prestava relevantes serviços aos povos
indígenas no Brasil em parceira com o antigo SPI – Serviço de Proteção aos
Índios e posteriormente com a FUNAI- Fundação Nacional dos Povos Indígenas.
Estando devidamente preparados e qualificados para essa tarefa e
firmados no princípio de amor a Deus e ao próximo, empreenderam viagens aéreas,
por estradas, rios e matas à procura dessas etnias. Vários grupos indígenas
ainda necessitados desse atendimento foram localizados e passaram a ser
assistidos in loco por membros dessa instituição conveniada com a Funai.
Nesse tempo, tomaram
conhecimento de um povo ainda isolado da sociedade envolvente, nas imediações
do rio Cuminapanema[2] ao norte do rio Amazonas. Região explorada apenas por castanheiros, balateiros
(extratores de borracha) e caçadores, que singravam suas águas. No final dos
anos 1970, trabalhadores de uma companhia de exploração mineral (IDESP)[3], acamparam-se em uma savana conhecida como Campos
Gerais[4], bem próximo das cabeceiras desse rio. Certo dia,
enquanto sobrevoavam o local, depararam com uma aldeia encravada na mata, distando
apenas 08 km de seu acampamento.
A
Funai que, até então desconhecia a existência desse grupo, foi até a região
para averiguação e possível aproximação com essa população. Mas abandonaram o
projeto, alegando falta de recurso e com o argumento de que a tribo não sofria
ameaça que justificasse a realização do contato. No entanto, ignoraram o fato
de que a presença desses exploradores da floresta poderia ter contaminado essa
gente com malária ou outras doenças e colocando suas vidas em risco.
De posse desses dados e levando a sério
seu objetivo assistencial a todos os povos necessitados de socorro externo,
esses obreiros foram até às cidades vizinhas em busca de mais informações a
respeito. Nessa pesquisa, foi confirmada a existência dos indígenas isolados naquela
região, inclusive, com relatos de que alguns caçadores haviam se aproximado das
aldeias e até encontrado alguns deles na mata. Diante disso, entenderam ser
urgente a efetivação do contato para prestar-lhes socorro em tempo ainda
oportuno.
Tão
logo possível, empreenderam viagem rio acima e posteriormente pela mata até
próximo dessas aldeias. E, como estratégia de segurança e com anuência da
Funai, construíram uma pista de pouso e uma base de apoio assistencial, que
recebeu o nome de Base Esperança.
Isso
depois de longos oito anos de árduo trabalho preparatório, envolvendo viagens
por um rio caudaloso e tomado de cachoeiras. Depois abriram caminho pela mata
até onde construíram uma pista de pouso de 600 metros de comprimento em plena
selva amazônica. Trabalho feito com apenas machados, enxadas, enxadões e um
motosserra para atorarem os troncos mais grossos. Porém movidos pelo amor de
Deus pelos indígenas, se deram de corpo e alma, deixando esposas e filhos na
cidade, para que um dia essas pessoas pudessem conhecer o Evangelho.
Suas
esposas, verdadeiras heroínas nesse empreendimento, ficavam na cidade com seus
filhos ainda pequenos. Para elas, além da saudade e do peso das situações
envolventes, havia a falta de comunicação direta com eles. Desde quando tomavam
uma embarcação no porto de Santarém para uma cidade vizinha e de lá seguiam por
rios e matas em direção ao objetivo proposto, a ausência de notícias era
torturante. E, por se tratar de contato com um povo isolado, não sabiam o que
poderia estar lhes acontecendo. Porém na dependência do Senhor, cumpriram
fielmente sua parte no sublime propósito de Deus para com essa gente.
O
primeiro encontro com esses indígenas se deu quando ambos caminhavam pela
selva. Momento de muita tensão, emoção e grande realização, vendo o resultado
de todos esses anos de luta e ações de Deus. Graças à intervenção divina e o
fato de que nos encontros anteriores não houve atrito dos indígenas com os
exploradores da região, esse contato foi pacífico. Embora tenso e sem nenhum
entendimento na comunicação verbal, essas indígenas foram bem amistosas e
cordatas com os visitantes, sendo o contato efetivado no final de 1987.
Até
porque, nos encontros relâmpagos que ocorreram anteriormente, os caboclos da
região fugiram deixando para trás machados, facões e rede de dormir, que eles
pegaram, usaram e estavam ansiosos para novamente adquiri-los. Encontrando-se de
novo com quem possuía esses objetos, seu desejo pelos bens de consumo tão
essenciais às suas atividades cotidianas foi aflorado. Por isso, logo vieram à base
missionária em busca desses utensílios, que tanto desejavam possuir.
Após
virem com suas famílias e os obreiros levarem também suas esposas e filhos até
o local, o relacionamento mútuo foi solidificado. Mas, quando visitaram as
aldeias perceberam que essa população já havia entrado em sério processo de
extinção. Isso devido à malária, possivelmente contraída das pessoas que
transitavam até próximo de seu habitat.
Graças
à ação de Deus e determinação desses obreiros, indo de aldeia em aldeia tratando
os doentes, essa moléstia foi sendo aos poucos erradica. Resultando no
crescimento dessa população de 119 pessoas no primeiro censo para 136 no final
dos 04 anos de permanência da equipe missionária entre eles.
Ao
contrário do que se propaga nos meios de comunicação, o contato efetivado com
esse povo, conhecido posteriormente como Zo’é (gente legítima), foi
preponderante para a preservação da vida e da saúde dessas pessoas. Caso
contrário, talvez nem mais existissem, como aconteceu com tantos grupos
isolados no Brasil e no mundo.
No
entanto, depois de dois anos do contato efetivado, desencadeou-se uma forte
perseguição contra a Missão e seus membros. Um dos sertanistas da Funai,
declaradamente contrário ao trabalho missionário entre os indígenas, criou o
Departamento de Índios Isolados (DII) dessa Fundação, e se fez diretor. E, a
partir de 1989, juntamente com outros sertanistas de mesma ideologia, fizeram
uma primeira expedição oficial a essa localidade, já com propósito de
intervenção no trabalho em andamento.
Nesse mesmo ano, uma antropóloga belga e seu
orientando de mestrado iniciaram incursões naquela terra indígena. Juntando-se
a esses opositores, produziram falsos relatórios, na tentativa de tornar
verdadeiras as calúnias contra os servos de Deus que ali atuavam. Sem
conhecimento suficiente da língua, levaram os indígenas a rememorarem as mortes
ocorridas a longo do tempo e atribuíram a maioria delas ao período de atuação
da Missão entre eles. No entanto, quando esses dados foram analisados por um
perito no assunto, veio à tona os graves erros cometidos por esses elementos,
tais como:
pessoas que foram mortas duas ou três vezes; elemento
do sexo masculino que morrera por problema de geração de filho; dor de dente
alistada como causa mortis; muitas pessoas que, se estivessem vivos naquela
época, teria mais de cem anos, quando a expectativa de vida entre eles era de
apenas 56 anos.[5]
A mídia anticristã, com jornalistas e diretores
tendenciosos, passaram a publicar matérias recheadas de acusações infundadas
contra pessoas que estavam gastando suas vidas no socorro àquela população. Não
foram poucas as vezes que a Missão teve que ir a público contestar
documentalmente tais declarações, para que o povo brasileiro não ficasse
ludibriado por tamanhas aberrações.
Em abril de 1991, os antropólogos acima citados,
enviaram ao ex-diretor do Departamento de Indígenas Isolados, recém nomeado
presidente da Funai, um projeto financiado por “instituições internacionais”, com “levantamento cartorial e
requerimentos minerais” e com “monitoramento via satélite”. E, como inimigos da cruz de
Cristo, estabeleceram que a condição para implantação de sua proposta seria a
retirada da Missão.[6] Isso caiu como uma luva nas mãos desse sertanista e
de outros que, juntos articulavam o fechamento do trabalho missionário nessa
etnia.
Coincidentemente, em outubro desse mesmo ano, a Missão
foi surpreendida com a ordem de que sua equipe deveria deixar a Base Esperança
dentro de três a quatro dias. Isso, em um fim de semana, quando as repartições
públicas estavam fechadas e sem nenhum processo legal que justificasse tal atitude. E sem
ao menos ouvirem a comunidade indígena, como prescreve a legislação indigenista.
Todavia, os Zo’é, mesmo desconhecendo que o Art. 231
da CF preceitua que “São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre suas
terras que tradicionalmente ocupam...” (grifo nosso), apelavam
insistentemente para que seus amigos de quatro anos de convivência não saíssem.
E, como legítimos donos daquela terra, propuseram que os representantes da
Funai poderiam se estabelecer em outra aldeia, contanto que os missionários
permanecessem entre eles, sendo isso registrado no relatório do líder daquela
expedição.
[...] os Índio
em número bastante elevado, mostrando-se exaltados, colocaram o Coordenador em
um círculo (...) mandando que voltássemos imediatamente, porque aquele lugar
não foi a Funai que construiu, e sim os missionários junto com eles (...) que
as pessoas seus conhecidos, puderiam (sic) ficar (...) indo morar na aldeia Keiñã contanto que a
Missão continuasse onde estava... [7]
Assim, em 23 de outubro de 1991, com os corações
partidos, mas esperançosos de um dia voltarem, tiveram que deixar a Base
Esperança, não obstante ao apelo constante dos indígenas, que em prantos diziam:
—Não vão embora! Vocês foram os primeiros a chegar
aqui e, quando estávamos doentes e morrendo de malária, foram vocês que nos
deram remédio e saramos; se vocês forem embora nós voltaremos a morrer.[8]
No entanto, mesmo saindo
com a promessa de que dentro de pouco tempo a equipe poderia retornar, não
puderam nem mesmo ir buscar seus pertences que lá ficaram. Consequentemente, a
expectativa messiânica dos Zo’é foi retardada, visto que aqueles que possuíam a
mensagem do Criador e haviam prometido lhes anunciar e desenhá-la em sua língua,
foram afastados do seu convívio.
REFLEXÃO
Infelizmente, essa situação
tem perdurado por longos anos e, até o momento, nenhum missionário evangélico tem
acesso a essa etnia. Até mesmo os líderes de igrejas indígenas dessa região têm
sido impedidos de visitar os seus patrícios.
Uma constante batalha tem
sido travada junto às autoridades constituídas para que os direitos
constitucionais desse povo sejam contemplados, dentre eles a oportunidade de
ouvir a mensagem do Porapohat (o Criador), que tanto esperam.
Assim sendo, conclamo aos
amados leitores e a todo o povo de Deus a um movimento de intercessão por essa
etnia e tantas outras ainda não alcançadas. Para que o Todo-Poderoso, “que tem o
coração dos reis em Suas mãos”, derrube as barreiras
existentes e levante novos trabalhadores para a Sua Seara.
E com o mesmo empenho, ouvindo atentamente o desafio
do Senhor, por meio do profeta Isaias: “A quem enviarei e quem há de ir por
nós?” Oxalá possamos também dizer: “Eis-me aqui, envia-me a mim!” - Isaias
6:8 – preenchendo assim as vagas ainda existentes nos campos brancos para
ceifa. E dessa forma, participando da colheita final, quando “todas as
nações, tribos, povos e línguas” estarão representadas diante do
trono do Cordeiro. Apocalipse 7:9
Onésimo Martins de Castro
Agência Presbiteriana de
Missões Transculturais - APMT
📖 Formato e-book - https://a.co/d/5iwyndg
NOTAS
[1] 📖
Formato físico - https://loja.uiclap.com/titulo/ua87956;
📖
Formato e-book - https://a.co/d/5iwyndg
[2] Principal afluente do rio Curuá, que por sua vez lança
suas águas em um dos muitos lagos à esquerda do rio Amazonas, nas imediações da
cidade de Alenquer.
[3]
Dominique T. Gallois e Luís Donizete 13. Grupioni, Aconteceu Especial
18, Povos Indígenas no Brasil 1987/88/89/90. São Paulo: CEDI, 1991, p.210
[4]
. Lugar de vegetação baixa semelhante ao serrado de Goiás.
[5] Laudo antropológico de Carlos Antônio de Siqueira,
1998. Disponível in: https://www.academia.edu/69649655/Laudo_Antropol%C3%B3gico_de_Carlos_Ant%C3%B4no_de_Siqueira_referente_%C3%A0_quest%C3%A3o_de_sa%C3%BAde_e_supostas_mortes_ocorridas_entre_os_Zo%C3%A9
[6] Carta de Dominique Gallois a Sidney Possuelo em
17/04/91
[7] Relatório do sertanista João Evangelista de Carvalho, em 23/11/91
[8] Dados contidos em gravações em fita cassete em outubro
de 1991